Gerir um time de produto em setores como a saúde digital não é tarefa simples. São diversas as camadas de complexidade que uma liderança de produto precisa considerar, desde a necessidade de garantir a conformidade com regulamentações rigorosas até a criação de soluções que atendam a um ecossistema variado e altamente sensível. Essa liderança estratégica é a chave para não só alinhar as demandas do negócio, mas também para gerar impacto real e escalar as soluções de maneira segura.
Na entrevista, Glaucia Sayuri, CPO da Memed, traz insights sobre como liderar times de produto em meio a esses desafios e a importância de integrar inovação, segurança de dados e alinhamento regulatório ao mesmo tempo que se mantêm atentas à experiência dos usuários.
BossaBox — Quais você considera os principais pontos de atenção para CPOs que lideram times de produto em um setor dinâmico como o de saúde digital?
Glaucia Sayur — O setor de saúde digital é desafiador por ser altamente regulado, ter muitos agentes e por estar passando por uma transformação importante com o avanço da tecnologia. Isso demanda muitas discussões e alinhamentos setoriais para que o ecossistema capture os benefícios dessa evolução.
Como CPO, é muito importante que tenhamos o olhar em alguns aspectos relevantes para atuação neste segmento, sem perder de vista o principal propósito da área de produtos, que é gerar valor na ponta (para os diversos usuários), gerando valor para a companhia. Um deles é a conformidade regulatória, nós precisamos equilibrar inovação com o cumprimento das normas legais, o que requer uma proximidade constante com áreas jurídicas e de compliance. A experiência dos diversos usuários também demanda um olhar diferenciado, pois os agentes do ecossistema de saúde são muito variados e orquestrar o atendimento das necessidades, criando soluções que sejam intuitivas é essencial, pois todos estão lidando com questões sensíveis.
Importante também a garantia de escalabilidade, resiliência sistêmica e segurança de dados. Isso deve ser sim uma preocupação de produto, pois afeta diretamente a percepção e a entrega de valor. Garantir que nossas soluções cresçam de maneira escalável e segura, principalmente no que diz respeito à privacidade e ao gerenciamento de grandes volumes de dados de saúde, boas práticas e monitoramento. Além disso, o ecossistema de saúde tem muitas plataformas e sistemas legados, é um setor em transformação, então facilitar e promover a integração é essencial para o sucesso de qualquer solução.
BossaBox — Ao lidar com produtos que atendem tanto B2B quanto B2C, quais são, na sua visão, os maiores desafios para as lideranças de tecnologia e produto?
Glaucia Sayur — Lidar com modelos B2B e B2C em um mesmo produto requer uma visão estratégica clara, porque as necessidades, expectativas e ciclos de venda são bastante diferentes. Os maiores desafios que eu vejo estão relacionados à customização e escalabilidade, uma vez que atender ao mercado B2B muitas vezes exige customizações para diferentes clientes empresariais, enquanto o B2C precisa ser altamente escalável e é um pouco mais uniforme.
Além disso, o equilíbrio entre as diferentes expectativas e os impactos na experiência é um dos pontos cruciais para a relevância da solução para que não se crie algo que, em escala, fica impossível de manter equalizado e evoluindo.
Em relação aos ciclos de vendas e adoção, a natureza do B2B geralmente apresenta ciclos de vendas e adoção mais longos e exigem relacionamento mais próximo, enquanto no B2C o foco está na aquisição e retenção de usuários de forma mais autônoma e escalável.
A equipe de produto precisa equilibrar estratégias de curto e longo prazo para garantir o sucesso em ambas as frentes.
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BossaBox — Quais habilidades você considera essenciais para o sucesso de um CPO na liderança de times de produto?
Glaucia Sayur — Existem diferentes perfis de CPO, e cada um se adequa melhor para cada contexto e momento da empresa. Entretanto algumas habilidades são essenciais em qualquer cenário, como a visão estratégica e de negócio, ter clareza sobre onde o produto deve estar nos próximos anos e como isso impacta o crescimento do negócio; a empatia com o cliente, entendendo profundamente as dores e necessidades dos usuários, tanto no lado B2B quanto B2C, permitindo a construção de soluções que realmente gerem valor.
Além disso, é fundamental a habilidade em dados e métricas, pois saber mensurar o sucesso do produto e usar dados para guiar decisões é indispensável. Não basta intuição, é preciso embasamento.
O CPO também precisa fazer a gestão de stakeholders, ele deve ser um mediador entre as equipes de tecnologia, marketing, vendas, clientes e usuários, sabendo ouvir e conciliar interesses diversos enquanto garante a inovação contínua. O setor de saúde é dinâmico e as tecnologias mudam rapidamente, então o CPO precisa fomentar uma cultura de experimentação e adaptação constante sem que isso afete a geração de resultados de curto prazo, a ambidestria é fundamental.
BossaBox — Como você estrutura e dimensiona o time de produto na Memed? Quais métricas ou critérios utiliza para garantir que o tamanho da equipe esteja alinhado às necessidades de crescimento do negócio e inovação?
Glaucia Sayur — Estruturar e dimensionar um time de produto requer tanto olhar para a estratégia de longo prazo quanto responder às demandas imediatas. E aqui também entra o componente momento da empresa: é sobre expansão, estabilização, construção, etc.
O mais importante é que a estrutura precisa refletir a estratégia, então alguns princípios são importantes como a capacidade versus demanda, avaliando de forma pragmática se o time tem a capacidade de entregar o roadmap sem comprometer a qualidade ou velocidade de inovação. Não sejamos utópicos, raras são as situações em que o equilíbrio é perfeito, mas temos que buscar ser o mais assertivo possível.
Atuar com objetivos claros de produto e resultados-chave (seja OKRs, metas ou qualquer outra forma de dar visibilidade e clareza sobre o que deve ser o foco da área), é importante para garantir que o time esteja alinhado com as prioridades estratégicas e que estamos crescendo no ritmo certo.
Usar métricas de eficiência também auxiliam a entender se o time consegue entregar valor continuamente e se está operando de forma otimizada, caso não, ajustes em demandas ou no tamanho/composição do time podem ser necessários. Além disso, estar atento às evoluções tecnológicas e inovações, fazendo ajustes de conhecimento/foco na estrutura conforme necessidade do negócio, visando absorver as oportunidades deve ser uma constante para quem atua com tecnologia.
BossaBox — Quais temas emergentes você vê ganhando força e acredita que as lideranças devem prestar mais atenção para garantir uma gestão mais eficiente de times?
Glaucia Sayur — Alguns temas que estão na pauta dos líderes atualmente envolvem o uso de inteligência artificial, uma vez que é inegável que o impacto disto, seja para aumentar a eficiência e produtividade, seja para construção de soluções e experiências diferenciadas. Com o aumento da coleta de dados, a privacidade e segurança passam a estar no centro da estratégia de produto. Os fluxos devem ser concebidos já com esse olhar (by design) e esse tema só vai crescer em importância.
Do ponto de vista de times e formatos de trabalho dois pontos merecem destaque, o desafio do trabalho remoto, híbrido e times distribuídos, para garantir coesão, eficiência, criação e fortalecimento de cultura e outros aspectos da ligação com uma empresa e propósito, e a questão de saúde mental, segurança psicológica e ambientes construtivos (que não significam empresas sem resultado e sem metas ou foco).
BossaBox — Quais são suas principais fontes de aprendizado contínuo, como livros, newsletters ou podcasts, que você recomendaria para outras lideranças que buscam aprimorar suas habilidades?
Glaucia Sayur — Eu acredito muito em aprendizado contínuo, gosto muito de ler e fazer cursos variados. Para mim olhar deve ser sempre muito pragmático, entendendo que algumas situações são para inspiração e provocação e não para aplicação direta na sua realidade (especialmente pelo fato das empresas terem contextos, focos, desafios e até recursos humanos, financeiros e tecnológicos diferentes).
Para foco em produtos e estratégia de negócios gosto dos cursos da Section 4, do Scott Galloway, bem como a newsletter do Lenny. Podcasts existem vários como o Master of Scale, do Reid Hoffman, The Product Podcast, da Product School, Product Thinking da Melissa Perri e nacionalmente temos o Product Guru’s, do Chiodi e a Renata Gagetti falado do Vida Real de Produto.
E é fundamental que líderes invistam no autoconhecimento para que sejam cada vez melhores e mais assertivos em suas abordagens, pois sempre impactam positivamente (ou negativamente) muitas outras pessoas. Como disse Jack Welch em “Qual o papel do líder”, é preciso ter o gene da generosidade, pois liderar nunca mais é só sobre você.