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Quando um time entende onde quer chegar e qual impacto gera no negócio e no cliente, a execução flui. As decisões ficam mais rápidas, as prioridades mais claras e ninguém fica preso em burocracia desnecessária. Mas por que tantas empresas ainda erram nesse alinhamento?
Nesta entrevista, Ana Zucato, CEO da Noh, fala sem rodeios sobre liderança de produto e o que realmente faz diferença no dia a dia. Com uma trajetória que passa pelo Vale do Silício e grandes inovações no setor financeiro digital, ela compartilha aprendizados diretos do front, além de cases práticos sobre como alinhar estratégia, tecnologia e marketing para crescer sem travas.
BossaBox — Como você enxerga a evolução do papel de lideranças de produto no mercado atual, especialmente em startups que conciliam inovação e impacto direto na vida do consumidor, como a Noh?
Ana Zucato — Eu tenho um pouco de problema com esse chapéu de liderança de produto/product manager em startups early stage. Faz sentido existir? Em estruturas gigantes e com dezenas de pessoas, sim. Eu vim de uma experiência na Intuit, empresa do Vale do Silício, onde muitas vezes o PM líder tinha 20, 30 PMs abaixo dele. Nesse caso, fica muito claro que existe todo um papel de coordenação, priorização e alinhamento para fazer.
Agora, essa não é a realidade da maioria das startups. Eu acredito que é um erro criar essas “caixinhas” desde o início, acaba engessando os processos e, muitas vezes, mata a inovação. Tem tanta, mas tanta coisa para fazer numa startup, que é um erro achar que a solução de tudo é contratar um PM.
Acredito fortemente que os founders são os primeiros PMs, cujo principal trabalho é observar os clientes e resolver as dores deles. Mas acredito também que o ponto principal é que o time inteiro de tecnologia e marketing precisa entender o que a startup precisa provar pro mundo, e construir isso juntos.
Aqui na Noh, temos duas teses: uma de produto, e uma de marketing, e ambas têm todos da equipe trabalhando juntos. As lideranças precisam entender o modelo de negócio da empresa e a disrupção que estão criando na vida do consumidor.
Aqui na Noh ninguém fica isolado na área em que é especialista. Por causa da minha trajetória de 10 anos como PM, eu atuei bastante na criação de produto da Noh, principalmente no começo, lá em 2021/2022. Só que, com o tempo, eu entendi que o produto já estava razoavelmente maduro, com market fit, e que o time de tecnologia + design sabia muito bem endereçar as questões mais urgentes e de médio e longo prazo. Então hoje eu dedico mais tempo ao marketing, criando com o time conteúdo e estratégias para acelerar o crescimento da empresa. Acredito que essa flexibilidade é chave para qualquer startup.
BossaBox — Com a sua experiência em produto e agora como CEO, como avalia o impacto das lideranças de produto no alinhamento entre as metas estratégicas do negócio e o trabalho diário das equipes técnicas? Existe algum ponto que elas tendem a subestimar nesse processo?
Ana Zucato — Sempre sempre sempre as equipe subestimam o trabalho. Como seres humanos, tendemos a ser otimistas com o futuro, e também temos medo de errar, e esses dois comportamentos juntos são o segredo para… errar o planejamento!
Tem um pouco a ver com o que eu respondi antes. O principal ponto para mim é que todo mundo, e isso não tem a ver com o tamanho da estrutura, tenha muito claro a visão estratégica E o modelo de negócios da startup. Em outras palavras, todo mundo precisa saber em qual linha da DRE seu trabalho impacta.
A Noh trabalha com sprints semanais e isso traz muita agilidade e foco. Toda semana colocamos no ar uma atualização do aplicativo. É uma decisão conjunta entre time técnico, eu como CEO e time de marketing sobre o que precisa ser o foco daquela semana, e sabemos exatamente qual comportamento humano e qual linha da DRE estamos atacando. E, muitas vezes, a maioria na verdade, nunca fazemos tudo o que gostaríamos, mas entregamos o mínimo razoável para que o usuário fique satisfeito. Depois, melhoramos.
Há semanas que o app recebe apenas melhorias técnicas, para ter mais estabilidade ou corrigir algum bug, e em outras colocamos features no ar.
Um exemplo é o nosso lançamento mais recente, uma Caixinha com rendimento de 110% do CDI, que subiu no dia 6 de janeiro. A decisão sobre isso veio quase na véspera do recesso de fim de ano. E, para conseguir viabilizar, tivemos de entender e priorizar: time técnico, CEO e time de marketing. Tudo isso aconteceu em menos de 10 dias, com o Natal e o Ano Novo no meio, e só conseguimos entregar porque todo o time tinha bem clara qual era a meta e, uma vez atingida, qual seria o resultado dela pra Noh.
BossaBox — Se você tivesse que selecionar duas habilidades que realmente diferenciam líderes de produto bem-sucedidos, quais seriam e por que elas se destacam?
Ana Zucato — A primeira é um misto de curiosidade com “assumir que ninguém sabe o que está fazendo”. Você pode ter uma experiência incrível, ter passado por companhias de sucesso e feito sucesso. Tudo isso pode não ser suficiente para um novo desafio, um novo produto.
Claro, você aprende a seguir algumas ideias e receitas, mas pode ter certeza que muita coisa vai dar errado no caminho ou não acontecer como você previa. Mas se tiver a curiosidade de entender e observar o cliente a fundo, e mais, a ousadia de questionar o cliente, a liderança, o time, seus pares, tenho certeza que já é metade do que vai te transformar num profissional resolvedor de problemas excelente.
A segunda característica mais importante é ser versátil. Líderes de produto que entendem que tudo muda e que se adaptam facilmente, ao mesmo tempo que provocam a mudança, vão longe.
Ex, eu já vendi roupa online, fiz o primeiro produto de empréstimo online do Brasil e atuei em mesas anti-fraude. Qual é a coisa em comum entre eles? Provavelmente é que eram mercados pouco ou nada digitalizados até então, mas todo o resto era diferente, com as suas particularidades. Eu sempre digo que praticamente tanto faz o produto com o qual você trabalha, se você for curiosa e versátil, já sairá na frente de muita muita gente.
BossaBox — Quais fontes de aprendizado contínuo, como newsletters, blogs ou podcasts, você considera mais valiosas e indicaria para líderes de produto que desejam aprofundar suas habilidades e se manter atualizados?
Ana Zucato — A maior fonte de aprendizado continua sendo o trabalho contínuo. Sempre digo e sempre direi isso: não tem livro, não tem podcast, não tem guru que vá te fazer aprender tanto quanto suas próprias cicatrizes de erros e acertos. Pode ser um pouco decepcionante, mas não recomendo nenhum livro.
Gosto do podcast do Lenny, do How I Built this e do Do Zero ao Topo. Ah, e vamos lançar um podcast aqui na Noh também contanto os bastidores de como construímos a empresa – já fazendo o jabá.
BossaBox — Se você tivesse que destacar apenas duas características indispensáveis ao escolher parceiros externos para projetos de tecnologia, quais seriam e por que acredita que elas são cruciais para garantir uma parceria bem-sucedida?
Ana Zucato — Assumindo que foi feita uma diligência e o parceiro tem as capacidades necessárias, está em compliance, tem caixa, etc etc, penso que as duas características são: estilo de trabalho similar e ‘estar comprado’ na sua tese.
Precisa ter um parceiro que pense e trabalhe como você, e que esteja com a mesma prioridade pro projeto que você. Nós temos alguns casos de muito sucesso aqui com parceiros. Um deles é o Iniciador, que escolhemos para implementar o Pix Inteligente, que basicamente são as Transferências Inteligentes do Open Finance, que permite trazer dinheiro para a Noh sem sair do app. Fizemos tudo muito rápido, seguindo sempre essa lógica de priorização e foco. Resultado: fomos os primeiros do mercado a colocar a funcionalidade no ar. Mas isso porque ambos os times estavam com o mesmo foco, tinham execução ágil e pessoas e produtos bons.
Outro caso foi com a Warren. Queríamos oferecer uma opção de investimento para casais, sem ter de entrar num processo lento e caro para obter uma licença junto ao Banco Central. E a Warren precisava testar uma solução white label para companhias do setor financeiro. Win Win, foi a união perfeita e, mais uma vez, colocamos tudo no ar com extrema rapidez e assim nasceu o primeiro fundo de investimento para duas pessoas do mercado.
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A segunda característica é, na verdade, até mais conceitual: o parceiro tem que acreditar na sua tese. Exemplo: quando conheci o CEO da Dock, ele imediatamente “comprou” a ideia da Noh, ficou extremamente empolgado. Deu pra ver na cara dele, sabe? Que ali eu teria um parceiro pra vida. Eu sempre tive uma visão de que, pelo menos nesses primeiros anos, a Noh não seria uma instituição de pagamentos e, sim, uma camada de experiência financeira para casais que precisam organizar o dinheiro a dois, passando por pagamentos, categorização, metas e investimentos.
Então, todo parceiro que procuramos é alguém que possa viabilizar um produto sem que a Noh fique inchada e nos permita testar se esse produto tem demanda. Claro, é um grande risco e, por isso, esse parceiro tem que ser praticamente seu sócio.
BossaBox — Refletindo sobre sua trajetória, qual seria o principal conselho que você daria a líderes de tecnologia e produto que estão começando a enfrentar desafios de inovação e gestão de equipes? Existe algo que, olhando para trás, você gostaria de ter aprendido mais cedo?
Ana Zucato — O principal conselho é: faça, mesmo sem saber direito o caminho. O caminho mais curto para ter alguma resposta no campo da inovação (em qualquer campo, na verdade) é fazer alguma coisa, obviamente com algumas premissas e palpites.
Sobre gestão de equipes, posso falar também sobre a minha experiência de CEO. Pessoas são pessoas. No fim do dia, é sobre isso: pessoas. Quanto mais humano e autêntico você for no trabalho, na conversa com as pessoas, na gestão, na execução, mais as pessoas vão conseguir se abrir com você, serem sinceras e isso cria um relacionamento natural e humano. Gerir pessoas é sobre acreditar que elas são adultas, responsáveis, do bem e estão fazendo o seu melhor.
Por outro lado, eu aprendi, e ainda estou aprendendo, que, em caso que não deu fit, não tem como esperar “o tempo passar” e ver se as coisas se ajeitam. Se já há sinais de que algo está errado ou não está funcionando como deveria, eu já coloco o assunto na mesa. É menos indolor corrigir a rota desse jeito do que deixar as coisas tomarem uma proporção muito grande. Então aqui, talvez o mesmo conselho anterior se aplique: faça, fale, mesmo sem saber direito o caminho.
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