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Sentem-se, meus caros, porque hoje vamos conversar sobre cultura, iniciando com uma incursão pelo famoso Projeto Aristóteles do Google. Lançado em 2011, este projeto do Google, que mais parece um Big Brother do mundo corporativo com uma pitada de filosofia, foi criado com um objetivo ambicioso: desvendar os segredos de equipes que atingem o ápice do sucesso. Spoiler alert: a mágica não acontece simplesmente reunindo um grupo de mentes brilhantes numa sala. As descobertas do Google, feitas após observar atentamente suas próprias equipes, revelaram que as normas do grupo e a famosa “segurança psicológica” são o verdadeiro molho secreto. E aqui entra minha teoria: a cultura organizacional pode ser vista como uma pirâmide construída com blocos de Lego, onde cada peça depende da outra para não virar uma torre de Jenga prestes a desabar.

Eu sou Isa, sócia e co-fundadora da AutoForce, uma startup do tipo martech, fundada em 2015, que atua no marketing digital automotivo. Nossa trajetória inclui participações nos programas de aceleração Inovativa Brasil e Endeavor ScaleUp, e uma colaboração com a Stellantis, evidenciando nosso compromisso com a inovação e qualidade.

Minha experiência em desenvolvimento, design e agora como CPO tem sido uma jornada reveladora sobre a interação entre equipes e o desenvolvimento organizacional. Para ilustrar melhor essa interconexão, desenvolvi um modelo visual que estou explorando e aprimorando: a pirâmide da cultura organizacional. Esta representação gráfica serve como uma metáfora para entender as camadas e a dinâmica da cultura em uma empresa.

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A seguir, você encontrará a imagem da pirâmide que criei. Ela representa, de forma simplificada, como percebo a estrutura e o fluxo da cultura organizacional, desde as habilidades interpessoais individuais na base até a influência estratégica dos líderes no topo.

Pirâmide da Cultura Organizacional

Convido você a refletir sobre como esses diferentes níveis se manifestam e interagem em seu próprio ambiente de trabalho e como cada camada contribui para a cultura geral da sua organização.

  • Base da Pirâmide: Habilidades Interpessoais dos Colaboradores

Esta base é formada pelas habilidades interpessoais individuais que cada colaborador traz para a organização. Estas habilidades, como comunicação eficaz, empatia e resolução de conflitos, são cruciais para a formação de relações saudáveis e produtivas no ambiente de trabalho. Elas estabelecem o alicerce sobre o qual a cultura organizacional é construída e mantida.

  • Segundo Nível: Habilidades Intercolaborativas de Equipe

No segundo nível, as equipes dentro da organização começam a formar suas próprias microculturas. Estas são influenciadas pelas interações e habilidades interpessoais de seus membros. A forma como os membros da equipe colaboram, comunicam-se e resolvem conflitos entre si dá forma a uma cultura única de equipe. Esta cultura de equipe pode variar significativamente de uma equipe para outra dentro da mesma organização, dependendo da dinâmica e das habilidades interpessoais de seus membros.

  • Terceiro Nível: Habilidades de Intercooperação entre Áreas

Este nível se concentra na interação entre diferentes áreas da empresa, cada uma com sua própria cultura distinta. Por exemplo, a área de vendas pode ter uma cultura muito orientada para resultados e dinâmica, enquanto a área de desenvolvimento pode ter uma cultura mais focada em inovação e detalhes técnicos. A habilidade de intercooperação aqui se refere à capacidade dessas áreas distintas de trabalhar juntas de forma eficaz, respeitando e integrando suas culturas únicas. Isso é crucial para a saúde e o sucesso global da organização, pois garante que diferentes partes da empresa colaborem e contribuam para objetivos comuns, apesar de suas diferenças culturais.

  • Topo da Pirâmide: Habilidades Interpessoais dos Executivos de Alto Nível

No topo da pirâmide, os líderes executivos (C-level) desempenham um papel fundamental como curadores e influenciadores da cultura organizacional. Eles não apenas estabelecem a direção estratégica e os valores da empresa, mas também influenciam a cultura através de suas ações, decisões e o que escolhem reforçar ou desencorajar nas interações diárias. Sua habilidade em navegar e integrar as diversas culturas de área é essencial para criar uma cultura organizacional coesa e alinhada com os objetivos da empresa.

Minha pirâmide não apresenta linhas nítidas separando seus níveis, refletindo a realidade frequentemente caótica do ambiente de trabalho – algo semelhante a tentar separar areia e glitter após uma animada festa na praia. Na prática, as culturas de equipes não estão isoladas em compartimentos estanques; elas se espalham e influenciam umas às outras. Não é incomum ver desenvolvedores e o pessoal de vendas compartilhando uma mesa de bar, intercambiando ideias e experiências. Esse tipo de interação entre times de diferentes departamentos é um ingrediente vital na formação da cultura organizacional.

A escolha das cores na minha pirâmide da cultura organizacional foi intencional e repleta de significado. A paleta que remete ao arco-íris reflete não apenas a minha identidade LGBTQIA+, uma das bandeiras que eu orgulhosamente levanto, mas também simboliza a importância vital da diversidade em todos os níveis organizacionais. O azul na base da pirâmide, uma cor tipicamente associada à calma e estabilidade, representa a ideia de que as habilidades interpessoais, embora fundamentais, podem ter um impacto limitado na cultura se consideradas de forma isolada.

Por outro lado, as cores mais quentes no topo da pirâmide ilustram o poder significativo que os líderes executivos têm na influência e na mudança cultural dentro de uma organização. Essa escolha de cores serve para enfatizar que, apesar da influência individual ser mais sutil na base, é a união dessas habilidades interpessoais que forma a fundação sólida da cultura organizacional. Como um mosaico, cada cor, cada nível, contribui de maneira única e essencial, sublinhando a importância de cada indivíduo e de cada interação no desenvolvimento de um ambiente de trabalho coeso e diversificado.

Além disso, a cooperação entre equipes de áreas diversas é um aspecto chave. A maneira como essa interação é conduzida pode ser muito reveladora da cultura subjacente de uma organização, por isso que as cores em cada nível se misturam, representando a influência nas fronteiras entre as habilidades. Não é raro observar uma tensão latente entre equipes comerciais e de produto, por exemplo. Mesmo que líderes tentem criar uma espécie de blindagem ou estabeleçam acordos não declarados, a verdadeira cultura de uma empresa se manifesta no que é efetivamente tolerado, no que é ignorado e no que é enfaticamente incentivado ou desencorajado.

A cultura organizacional está enraizada muito mais nas ações do dia a dia do que nas elegantes palavras impressas em um código de cultura, por mais popular que este tenha se tornado.

A sintonia entre cultura organizacional e cultura de produto

E aí, você pode estar se perguntando: “Mas o que esse papo de cultura tem a ver com produto? E por que uma CPO está falando sobre isso? Não seria mais algo para um CEO, o representante oficial da cultura da empresa?” Essa é uma pergunta válida. Como CPO, meu papel vai além de apenas liderar o desenvolvimento do produto; envolve entender como a cultura de inovação dentro do time de produto se alinha e é influenciada pela cultura organizacional maior.

A cultura de produto não pode ser vista isoladamente. Ela precisa ser um reflexo e um componente integrante da cultura organizacional como um todo. A empresa reflete o contexto temporal em que está inserida, o que significa que a cultura é fluida. Aspectos fundamentais, como valores, visão e missão, tendem a permanecer constantes, mas a forma como vivemos e expressamos esses valores precisa evoluir.

Especialmente em empresas que se adaptam e inovam, as mudanças são inevitáveis. As pessoas em uma organização mudam, e elas são a base da cultura, conforme minha pirâmide ilustra. Portanto, a cultura de produto, entrelaçada com a cultura organizacional, reflete não apenas o que a empresa valoriza, mas também quem somos e como crescemos juntos.

Inovação além do time de produto

Agora, você pode estar pensando: “Então, para inovar, preciso que a inovação faça parte da cultura da empresa? Mas aqui é tudo tão tradicional, nunca vou conseguir inovar.” Não é bem assim. Não estou dizendo que é impossível inovar em um ambiente tradicional, mas sim que a inovação não deve ser um esforço isolado. Tentar inovar sozinho, sem o suporte da cultura organizacional, é como nadar contra a correnteza da pororoca: você pode até se esforçar muito, mas no fim, vai acabar onde a correnteza decidir.

Pensar que a inovação começa e termina no time de produto, e que, após mostrar resultados, toda a empresa vai nos celebrar com um “ipe ipe uha” é um erro comum e um caminho solitário. Essa abordagem não constrói aliados, mas sim barreiras.

Como mencionei anteriormente, a cultura é fluida, e a cultura de inovação em um time de produto deve ser como uma gota de corante capaz de tingir a pirâmide inteira da cultura organizacional. Às vezes, uma gota basta; outras vezes, é necessário um esforço contínuo. Leva tempo, e esse tempo pode parecer longo para alguns, mas é necessário que toda a empresa se envolva. Cada departamento tem seus objetivos e metas legítimos, e no final do dia, o que conta é o que leva a empresa mais perto de seus objetivos gerais, mesmo que não pareça inovador. E isso varia de empresa para empresa.

Por isso, uma habilidade crucial para o time de produto é a habilidade política. Eu sei, no Brasil costuma-se dizer que não se discute política, religião e futebol, mas, como a pirâmide ilustra, a intercooperação entre áreas tem um peso significativo na cultura. Ter aliados influentes é essencial, principalmente quando o objetivo é moldar a cultura organizacional. A inovação no produto pode e deve ser um catalisador para mudanças culturais mais amplas, mas isso requer habilidade, paciência e, principalmente, a capacidade de trabalhar bem com os outros, dentro e fora do seu time.

Portanto, se você é líder de um time de produto e está empenhado em fomentar uma cultura de inovação, é essencial expandir seu olhar para além das fronteiras do seu próprio time. Enfrentar a frustração de ter uma equipe cheia de talentos inovadores, mas sem o respaldo organizacional para que essas inovações se alinhem com os objetivos da empresa, pode ser um grande desafio.

Compreender e alinhar-se à cultura organizacional é crucial, especialmente considerando que o conceito de ‘produto’ ainda é relativamente novo para muitas empresas. Frequentemente, isso implica em um processo de ‘educação’, de preparar o terreno. Significa ser político, trabalhar para construir a cultura de inovação de baixo para cima, de dentro para fora, e em todas as direções. Para isso, você precisará de pessoas em sua equipe que possuam habilidades políticas, mas lembre-se, o objetivo aqui não é promover um motim, e sim construir alianças estratégicas.

E é importante frisar mais uma vez: a cultura se define pelas ações e é fluida, moldável. Requer manutenção constante. A cultura organizacional pode evoluir rapidamente com os esforços certos, e o papel do time de produto, equipado com a perspectiva e as habilidades políticas corretas, pode ser fundamental nesse processo de transformação cultural.

Conclusão

Em nossa jornada de hoje, exploramos diversos aspectos da cultura organizacional e seu impacto crucial no sucesso dos times de produto. Começando pelo Projeto Aristóteles do Google, compreendemos que a eficácia de uma equipe vai muito além da soma de suas habilidades individuais; é profundamente influenciada pelas normas de grupo e pela segurança psicológica. Minha experiência na AutoForce revelou como a interconexão entre colaboração, inovação e cultura organizacional é vital para o crescimento e sucesso de uma empresa.

Ao examinar a pirâmide da cultura organizacional, destacamos a importância das habilidades interpessoais, das dinâmicas de equipe, da intercooperação entre áreas e do papel decisivo dos líderes executivos. Esta pirâmide, com suas cores representativas e sua estrutura integrada, ilustra vividamente que a cultura de uma empresa é um mosaico composto por diversas contribuições individuais e coletivas.

A cultura de inovação, em particular, é um aspecto crucial para os times de produto. Não se trata apenas de fomentar a criatividade dentro de uma equipe específica, mas de integrar essa cultura de inovação em todos os níveis da organização. A inovação precisa ser mais do que uma iniciativa isolada; deve ser um valor compartilhado e promovido por toda a empresa. Isso requer uma abordagem holística que envolva não apenas o desenvolvimento de produtos inovadores, mas também a construção de uma cultura organizacional que apoie, incentive e celebre a inovação contínua.

Em suma, o sucesso de times de produto em um ambiente empresarial não se restringe apenas ao desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias; ele se enraíza profundamente na cultura da empresa. Uma cultura organizacional que valoriza e incorpora a inovação em seu núcleo é essencial para capacitar e inspirar equipes de produto a alcançar seu potencial máximo. À medida que continuamos a navegar em um mundo empresarial em constante mudança, a capacidade de cultivar e manter uma cultura de inovação se torna não apenas desejável, mas absolutamente necessária para o sucesso a longo prazo.

 

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