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Que sofremos de reuniões excessivas, que poderiam ser um e-mail ou mesmo que não necessitam de verdade da nossa atenção, todos sabemos. Mas o que deixa isso com uma dose extra de tristeza é quando nossas recorrências de time caem neste padrão.

Há algum tempo venho procurando uma forma não apenas de aprimorar agendas preestabelecidas, mas também de minimizar a quantidade de outras reuniões que surgem devido à falta de alinhamentos verdadeiramente eficazes.

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Uns 7 anos atrás me deparei com um formato que virou meu xodó e que venho utilizando com sucesso em meus times. A aplicação funciona para um tipo específico de reunião – aquelas recorrentes e com o mesmo grupo de pessoas. Pode substituir por completo até retrospectivas de times trabalhando em modelos ágeis e tem a vantagem extra de dar mais clareza e alinhamento para todos. Um outro exemplo de reunião que funciona muito bem são aquelas de middle-management que precisam ter alinhamentos semanais para status e resolução de conflitos. 

O texto é um pouco longo, mas garanto que o tempo investido aqui vai te fazer ganhar muitas horas de volta.

Preparação para a reunião

1: Determinação de um facilitador da reunião

A pessoa pode ser o líder do time ou alguém eleito pelo grupo (em que pode ter um revezamento ou um mandato estipulado). Cabe aos participantes decidirem a melhor forma de eleger um facilitador, já que ele que irá conduzir completamente a reunião e todos devem concordar em respeitar a autoridade dele durante o decorrer dela.

Se não funcionar a abordagem do facilitador, o grupo pode escolher outro para a próxima reunião (o que pode inclusive ser uma tensão, que falaremos mais a frente), mas a autoridade máxima na reunião vigente é dele e todos devem respeitá-lo. Quanto mais essa pessoa praticar e se especializar em estratégias de facilitação maior a chance de tudo fluir bem e até da pessoa ser reeleita para a posição, se quiser.

2: Intuito da reunião claro e conciso

Todos os participantes devem saber como é o funcionamento da reunião, quais os momentos de fala e suas etapas para assim poderem respeitá-la. Assim como qual é o objetivo ou propósito daquele grupo.

3: Seleção cuidadosa dos participantes

Não colocar todo mundo na reunião só ‘por precaução’. Quanto menos pessoas, maior a probabilidade de ser eficiente. Há exceções, é claro, mas a taxa ideal de participantes não deve ultrapassar 12, sendo entre 4 e 10 o ideal. Além disso, é ideal que todos os participantes tenham uma função clara e um motivo de estar naquele encontro. Se há dúvidas, é porque provavelmente a pessoa não deveria estar ali. Também existe a possibilidade de ter convidados pontuais, mas o grupo fixo não se modifica.

4: Preparação de um ambiente propício para discussões produtivas

Criar um ambiente em que as pessoas tenham segurança psicológica para se pronunciar sem que tenham receio de retaliações e que nenhuma pergunta seja considerada boba. Não é só o chefe declarar “podem falar pessoal, somos uma família…”. É necessário ter atitudes dentro e fora da reunião para que haja segurança real e os participantes se sintam livres e incentivados a trazerem assuntos delicados.

5: Preparação do instrumento da reunião

É importante que a reunião tenha um arquivo ou sistema em que o facilitador leia e acompanhe cada uma das etapas. Lá é onde serão registradas todas as métricas, checklists, ações e projetos que forem relevantes para aquele grupo.

O instrumento é de suma importância, pois a qualquer momento que alguém tiver uma dúvida ou quiser colher alguma informação é lá que ela estará atualizada de forma assíncrona. Isso significa que os participantes podem colocar pautas e tensões de coisas que acabaram de acontecer, já preparando para quando acontecer a próxima recorrência, não tendo aqueles momentos em que pensamos “preciso perguntar X para Y pessoa… preciso de tal coisa…” e acabar se esquecendo depois.

6: Respeito ao timebox da reunião

Se a reunião marcada tem um tempo agendado de 1h, ela não deve passar desse limite. Claro que existem exceções e o facilitador está lá justamente para entender se deve respeitar ou não, mas, como regra, ela deve se encerrar no horário determinado.

O papel do facilitador

O facilitador é o fio condutor, atuando como guia e gestor do tempo e do processo da reunião.

É papel dele orientar os participantes através dos momentos chave, com a responsabilidade de garantir que a reunião seja produtiva e eficiente, usando habilidades de comunicação, estratégias e ferramentas para resolução de conflitos e competências de liderança e gestão.

Quanto mais o facilitador souber sobre os participantes, melhor ele conseguirá fazer com que as vozes sejam equilibradas. Quando ele não as conhece, é preciso ter uma sensibilidade (experiência, habilidade, ferramental etc) maior ainda para fazer isso no decorrer da reunião.

O formato da reunião 

Ela é dividida nas seguintes etapas:

  • Rodada de abertura (check-in)

Momento de trazer o foco dos participantes e pedir presença.  O facilitador convida um de cada vez a verbalizar sucintamente como está naquele momento, etapa importante para gerar empatia e compreensão sobre o momento de cada um. Não existe discussão nesse momento. Geralmente usa-se a pergunta: “Como você chega nesta reunião?”.

  • Revisão e atualização

Aqui é o momento para falar sobre o passado, em que o facilitador irá passar por todos os itens de revisão, como por exemplo: ações, projetos, checklists e métricas. Todos esses itens devem estar documentados no instrumento da reunião e cada um deles deve ter um responsável para qual o facilitador irá fazer uma ou mais perguntas. Ele ou qualquer participante também pode solicitar mais informações sobre esses itens e o facilitador irá julgar se é relevante ou não para a reunião. O cuidado que temos que ter é sobre o nível de detalhe. Uma reunião de c-levels, por exemplo, tem um nível mais abstrato de informação, já um time de desenvolvimento sempre vai possuir e precisar de um nível mais granular de discussão.

  • Elaboração da pauta de tensões

Antes e/ou durante a reunião os participantes podem ir incluindo pautas que querem discutir durante a próxima fase. Essas pautas são tensões, também chamadas de tensões criativas e são preenchidas no instrumento da reunião com uma ou duas palavras e quem é o autor, assim o facilitador identifica quem escreveu e convoca a pessoa para a fala em seguida.

Spoiler: A maior parte dos líderes mais autoritários e ansiosos não consegue aguardar e mistura as fases de revisão e tensões. É necessário um facilitador muito experiente para conseguir segurar esse tipo de audiência (e nem sempre com êxito).

Uma tensão criativa nada mais é do que a diferença entre o que aconteceu ou acontece versus o que eu espero que aconteça. Quanto maior a distância entre as duas coisas, mais tensão existirá – igual um elástico. Processar tensões é o caminho para tentar aproximar e não ‘estourar o elástico’.

Deve ser levado em consideração que uma tensão é um desejo individual, nunca deve ser apresentada como um desejo coletivo ou em nome de alguém como por exemplo “o time precisa que… meu liderado precisa que…”, isso é algo que o facilitador deve explicar aos participantes e usar técnicas para extrair o desejo individual quando aparecem itens nesse formato, uma frase boa para começar a provocação seria “o que VOCÊ precisa?”, e repeti-la até a pessoa entender que está explicitando o desejo de outros ou escondendo o que realmente ela gostaria. 

Uma tensão pode ser muitas coisas, não necessariamente só problemas que precisam de algum direcionamento. Uma forma de deixar claro é especificar alguns tipos de início de frases pré estipulados, como por exemplo: quero solicitar, quero entender, quero compartilhar, quero pedir, quero explorar, quero mudar ou quero cuidar. Isso orienta o trabalho do facilitador sobre qual é o desejo do autor da tensão.

  • Triagem e tratamento das tensões

Essa é a parte onde o facilitador tem mais atuação e onde o tempo maior deve ser reservado, pois é onde normalmente ele vai interferir e retomar a rota caso o assunto mude de direção. Cada linha de tensão preenchida no instrumento traz um grau de importância estipulado pela própria pessoa que o escreveu (alta, média ou baixa). A ideia é que com essa escala o facilitador consiga priorizar as mais importantes e que precisam ser resolvidas nessa mesma reunião.

Caso o timebox da reunião acabe e ainda restarem tensões com escala baixa, por exemplo, o facilitador pode convidar os participantes a trazerem as mesmas tensões na próxima reunião ou resolverem em outro fórum caso seja possível – o que torna a reunião bem eficiente com foco nos temas mais urgentes.

O tipo da tensão quase sempre irá direcionar qual é a possível solução que pode ser gerada e as principais são:

a) Uma ação 

Uma ação não pode ter mais do que uma etapa, como por exemplo “Mandar um e-mail” e deve ter sempre um responsável assim como a pessoa que solicitou. A ação deve ser documentada no instrumento da reunião. ex: “Quero solicitar que fulano envie um e-mail cobrando o fornecedor de tal”.

b) Um projeto

Uma iniciativa ou pedido e que tem mais de uma etapa, também deve ter sempre um responsável e a pessoa que solicitou. O projeto deve ser documentado no instrumento da reunião. ex: “Quero pedir para que fulano traga um relatório explicando X questão”.

c) Dar ou pedir uma informação

Fazer perguntas direcionadas como “qual a nossa taxa de retenção?” ou trazer informações para o grupo como “gostaria de anunciar que…” são possíveis de serem feitas.

d) Pedir ajuda

Podemos pedir ajuda do grupo para resolver alguma coisa que está nos incomodando iniciando como “gostaria de coletar contribuições de vocês para…” e o facilitador irá dar palavra para um de cada vez para ter controle maior.

e) Um checklist

Checklists são perguntas (somente sim ou não) sobre a ocorrência ou não de atividades que geralmente, mas não exclusivamente são recorrentes e que são de extrema importância para alguma etapa da jornada da empresa ou do sistema. Algo como “a rotina X foi executada esse mês?” ou “os e-mails dos clientes foram respondidos?” onde alguém quer dar visibilidade de que esse processo está acontecendo. Deve ter um responsável pela sua atualização no instrumento da reunião.

Podem ser acordados checklists iniciais para a reunião, mas também surgir como uma tensão, por ex: “Quero solicitar que fulano traga visibilidade de se o processo Y está sendo feito corretamente no período determinado”

f) Uma métrica/meta/okr para acompanhamento

Quando existe uma métrica, meta ou OKR que queira se dar visibilidade para esse grupo ele é colocado dentro do instrumento da reunião, tendo também um responsável pela sua atualização. Pode ter também as métricas, okrs e metas da reunião, mas alguém pode pedir visibilidade de algo que não foi inicialmente planejado, por ex: “Quero solicitar que fulano traga a taxa de churn semanal para acompanharmos.”

g) Uma nova tensão

Uma tensão também pode gerar outra nova tensão, o facilitador pode e deve usar dessa estrutura para não interromper e tirar a voz da pessoa que está com a tensão inicial.

Lembre-se a tensão é algo individual, por mais que possa ser a mesma tensão as pessoas podem estar sentindo de forma diferente e dar encaminhamentos diferentes para a resolução da mesma. Toda tensão deve ser documentada no instrumento da reunião e pode-se surgir novas tensões a qualquer momento e preenchidas por qualquer pessoa.

Uma tensão só é finalizada quando o autor dela se sente atendido pela resolução que foi dada, cabendo ao facilitador fazer a pergunta final “fulano, você conseguiu o que precisa?”. Pode ser que a resolução não aconteça na reunião, mas tenha sido gerado algum encaminhamento a partir dela que satisfaça, esse encaminhamento pode ser documentado no instrumento da reunião como uma ação ou projeto, ou simplesmente o encaminhamento é que será resolvido fora da reunião.

  • Rodada de encerramento (check-out)

O facilitador convida um por vez para uma reflexão de fechamento. Não existe discussão. Geralmente usa-se a pergunta: “Como você sai desta reunião?”. Serve como um feedback sobre a atuação do facilitador.

O instrumento (Planilha da reunião)

Eu uso um modelo em formato de planilha, que me foi apresentado pelo meu amigo Danilo Fascio, onde é possível ter todas as etapas da reunião divididas em abas para facilitar o acompanhamento de todos durante ou fora da reunião, usando também como um guia da ordem das etapas da reunião. Vocês podem copiar do drive público da Target Teal aqui

Esse documento nessa estrutura é chamado de “planilha de círculo” dentro do framework organização orgânica (O2) de design organizacional, mas pode ser adaptado para atender qualquer tipo de reunião de um mesmo grupo recorrente. Existe um material público, também da Target, sobre o funcionamento e explicação do uso desta planilha aqui.

Essa planilha pode e deve ser alterada conforme os objetivos da reunião, incluindo ou removendo abas e campos. O importante é adaptá-la ao que é necessário para aquele grupo.

Resumo da estrutura

O formato e as etapas da reunião podem ser resumidos em:

Como referência de tempo para o facilitador, a etapa de triagem de tensões deve ter no mínimo 50% do timebox da reunião (idealmente mais). 

Conclusão

Se o time se engajar e a condução for boa o suficiente, este tipo de estrutura vai ajudar as equipes a terem menos reuniões de alinhamentos diversos e utilizar melhor seu tempo – seja síncrono de qualidade real ou no preenchimento e consulta do artefato assíncrono. 

A habilidade do facilitador é peça chave, mas geralmente o maior desafio é o comprometimento e respeito do grupo com fazer dar certo. Se a coisa funciona, mais e mais o time dá valor e entende que um pouco de estrutura liberta! Começa com um pouco de insistência, mas a prática leva à perfeição!

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